Resenhas – Modelos

Autor: Conrado Muylaert

As coisas que eu sinto só por te olhar

Este é o título do livro que marca a estreia do escritor Conrado Muylaert na literatura nacional – e, diga-se de passagem, que estreia! A obra caiu em minhas mãos por uma destas felizes casualidades do destino, e me prendeu antes mesmo que eu pudesse abrir na primeira página. Porque o título em si já conta uma história, e imediatamente coloca nossa imaginação para trabalhar.
As coisas que eu sinto só por te olhar fala de Luana, uma compositora francesa radicada em Londres que vive uma fase de esterilidade criativa, que a impede de trabalhar. Sentindo-se entediada e improdutiva pela completa falta de novas emoções – a matéria-prima fundamental de toda criação artística – Luana descobre fotografias que indicam a possibilidade de estar sendo perseguida por alguém, que misteriosamente está em todos os lugares em que ela também esteve. Esta descoberta acaba por despertar em Luana sentimentos ambíguos, motivando-a a viajar na tentativa de se reencontrar e de se reconstruir – seja enquanto pessoa, seja enquanto artista. E é no Rio de Janeiro que ela conhece Lucas, um jovem compositor por quem se apaixona. No entanto, o tão aguardado final feliz não está tão perto como pode parecer.
As coisas que eu sinto só por te olhar narra, com beleza e astúcia, toda a trajetória de um triângulo inusitado envolvendo Luana, seu perseguidor, e Lucas, sua mais nova paixão.
O livro se destaca em vários pontos, mas acredito que a maneira leve e objetiva com que o escritor Conrado Muylaert conta sua história seja o principal deles. Através de uma sutileza rara, Conrado consegue a façanha de colocar o leitor em contato direto com a obra, e com as emoções que ela desperta, envolvendo-o intrinsecamente com o seu enredo. Seus personagens também são reais e verossímeis, e por isso vibramos quando tudo dá certo, e lamentamos quando algo sai do planejado. Luana, Lucas e o seu perseguidor anônimo são gente como a gente, e assim torna-se impossível não relacionar-se intimamente com todos eles.
O livro ainda traz ao leitor uma espécie de entusiasmo aventureiro, inspirado especialmente pela maneira febril, passional e criativa com que Luana encara seus próprios fantasmas e inseguranças. Ela não é uma protagonista heroica, invulnerável e emocionalmente resistente. Muito pelo contrário. Luana compartilha conosco suas incertezas, seu tédio, seu medo do futuro, e em dado momento temos a certeza de que a conhecemos de algum lugar – quiçá do nosso próprio espelho.
Contudo, o que mais me atraiu e fascinou na obra foi, sem dúvidas, a conjunção íntima entre música e literatura; entre música e emoção; entre música e vida. As coisas que eu sinto só por te olhar é uma obra repleta de musicalidade rítmica e legítima.
A música permeia toda a obra, e é parte individual e intransferível de cada personagem. É através dela que compreendemos suas emoções e seus sentimentos, de modo que não seria exagero dizer que é a música quem traduz ao leitor a essência de toda a história. Talvez a música possa até mesmo ser considerada a verdadeira protagonista de As coisas que eu sinto só por te olhar.
Esta parceria entre literatura e música deu certo. Aliás, deu muito certo. E eu não tenho dúvida nenhuma de que Conrado Muylaert chegou para ficar entre os fortes da literatura nacional. Porque as coisas que eu senti só por ler o seu livro de estreia foram intensas, indescritíveis e, certamente, permanentes.
Leitura mais do que recomendada; leitura obrigatória para todos os amantes da boa literatura. E, claro, da boa música também.

Livro: Artesão das Palavras (2014)
Autor: Luiz Valério de Paula Trindade

Artesão das Palavras: um livro escrito para o leitor e pelo leitor

Já li muitos livros de crônicas, dos mais diferentes escritores, das mais distintas nacionalidades. E algo que percebi, em grande parte deles, foi a forma impositiva e até agressiva de alguns autores ao apresentar suas ideias e opiniões. Como se, quem pensasse diferente, não fosse digno sequer da honra de lê-los; que dirá de ter do escritor respeito e consideração.
Este detalhe sempre me incomodou em obras que compilam crônicas. Pois acredito que o papel do escritor é levantar temas importantes, sim, e dar sua opinião também, é claro; mas nunca impor suas ideias e percepções ao leitor de maneira impetuosa e quase violenta, coagindo-o a engolir seus pensamentos, mesmo que na marra. Sob o meu ponto de vista, a intransigência em suas opiniões apenas afasta o escritor de seu principal objetivo: tocar quem se dispõe a ler sua obra, e fazer de fato diferença em sua vida.
Por isso, foi com certa ressalva que iniciei a leitura da obra Artesão das Palavras, do escritor paulista Luiz Valério de Paula Trindade, que reúne crônicas versando sobre os mais variados temas cotidianos, como felicidade, escolhas, inspiração, lágrimas, beleza, vida digital, envelhecimento.
No entanto, o que encontrei nas 122 páginas que integram sua obra foi um escritor que soube, como poucos, desenvolver empatia pelas pessoas, pelos leitores, e pelos problemas e questões que os afligem. E foi por conta desta empatia e desta sensibilidade que a obra Artesão das Palavras me conquistou já nas suas primeiras páginas: ela nada impõe; apenas apresenta, e assim alcança a façanha de estabelecer com o leitor um diálogo consistente e interessante.
Luiz Valério de Paula Trindade não escreve para si mesmo, com o único objetivo de convencer-se do que diz, ou de reafirmar suas convicções. Muito menos tenta persuadir o leitor, impondo contundentemente o que acredita e o que deixa de acreditar. Pelo contrário. Fica claro que seus textos foram construídos para o leitor, mas, principalmente, pelo leitor. E talvez venha daí a impressão de que, ao invés de apenas engolir as opiniões do autor, conversamos com ele.
Há, ainda, uma certa humildade e benevolência na forma como Luiz Valério apresenta suas opiniões, sempre deixando um espaço para contestações e novos pontos de vista, o que demonstra uma personalidade literária alicerçada pela percepção e compreensão das aflições humanas, que fazem parte de todos nós.
E é por isso que seus textos não terminam após o ponto-final. Eles continuam a crescer e florescer na cabeça do leitor, permitindo que estes cheguem a novas conclusões, acrescentando e enriquecendo o texto original.
Ademais, existe um otimismo perseverante que permeia toda a obra. Todavia, não se trata de um otimismo fantasioso, irreal e oco, mas um otimismo que nasce da observação do próximo, e da maneira como interpretamos e digerimos a vida que complica-se e descomplica-se para todos nós, dia após dia.
No entanto, não se engane! Nada de confundir a obra Artesão das Palavras com um livro inocente e ingênuo, beirando a autoajuda. Nada disso! Luiz Valério não foge de temas mais complexos e indigestos, como as relações virtuais que estabelecemos, e que parecem sobrepor-se aos nossos relacionamentos reais e cotidianos; o materialismo; a busca frenética, dolorosa e irracional pela perfeição; e até a maneira cruel como, muitas vezes, julgamos a vida e os outros pela embalagem. O autor ainda realiza uma crítica social sobre os nossos comportamentos e atitudes enquanto cidadãos, e parece não temer quem discorda ou pensa diferente. Ao contrário: chama-os para a conversação.
É, aliás, impressionante como o autor conseguiu reunir em sua obra temas de cunho tão diferentes, capazes de tocar e interagir com pessoas de personalidades distintas e até opostas.
Luiz Valério, sem dúvidas, é alguém capaz de analisar e interpretar a vida de maneira singular e generosa, e – mais do que isso – de transpor estas ideias para o papel de forma clara, objetiva e criativa, permitindo alcançar leitores tão diferentes quanto os temas que abordou em seu livro de estreia.
É visível e perceptível o esmero e o cuidado do autor ao escrever cada texto. E talvez seja justamente por isso que seu livro chama-se Artesão das Palavras. A ideia de artesanato contrapõe o conceito de produção em série, irracional e automatizada, acelerada e superficial que, infelizmente, percebe-se em muitas das obras literárias que vemos atualmente. Como se não houvesse tempo para refletir, apenas para escrever. Por conta disso, todos os dias temos acesso a textos que, claramente, não passaram por qualquer avaliação crítica do próprio autor, e onde as palavras parecem apenas despejadas no papel, sem nenhum aprimoramento.
Artesão das Palavras não se trata de um livro bruto. É, sim, um livro profundo, cuidadosamente trabalhado, lapidado e refinado. Uma obra que conversa com o leitor, e cria com ele uma conexão imediata. Como quando conhecemos um novo amigo, e de cara sentimos aquela empatia intensa e concreta.
Empatia esta que só nutrimos por alguém capaz de nos entender, de nos compreender, e de fazer crescer e desenvolver o melhor da nossa personalidade.